Eufemismo anal

A próstata, segundo eles, é uma glândula exócrina que faz parte do sistema reprodutor dos mamíferos machos.
O conceito exige uma definição em termos, para melhor compreensão do significado: glândula todos nós sabemos o que é, pulemos, pois, esta parte.
Exócrino é outra conversa. O prefixo “exo”, segundo a corrente dominante entre os morfologistas e pesquisadores de gramática histórica, significa aquilo que está fora, o externo, por exemplo: “exato”, aquilo que não integra o ato, que estão fora dele, sabendo-se que a palavra “exato” decorre da eliminação do hiato “oa”, que figurava em “exoato”, em virtude da evolução do latim clássico para o latim vulgar.
Não sei se é verdade, mas como explicação...
Outro exemplo clássico encontra-se na palavra “exógeno” que significa, como a palavra está dizendo, fora do gene.
Assim que, no contexto conceitual morfológico, “exócrino” seria “aquilo que está fora do crino”.
Ao seguir da pesquisa descobrimos que “crino” é o nome vulgar de “crinus mooreai”, palanta da família das amaryllidaceae, originária da África do Sul que produz, perenemente, flores brancas e róseas, necessitando tão somente de regas regulares e esterco como adubo.
Conclusão: Exócrino é tudo aquilo que está do lado de fora de flores sul-africanas brancas e róseas.

Nesse sentido a próstata é uma glândula constituída do que não pertence às flores sul-africanas.
Simples?
Não. Nada simples.
É que, para eles, exócrino é coisa muito, mas muito diferente. O exócrino, segundo eles, é uma glândula que produz secreções.
Portanto a próstata produz secreções, secreções que se combinam com o esperma do mamífero macho que, atingindo o alvo, isto é, o ovário do mamífero fêmeo num dia bom, gera, reproduz, faz nascer mamiferozinhos por todos os lados.
A primeira conclusão realmente relevante sobre a matéria é que os mamíferos fêmeos não possuem próstata e, conseqüentemente, estão livres do respectivo câncer.
Entretanto o mamífero macho – eu, por exemplo – possuo próstata e todas as suas conseqüências, inclusive as piores. Eles estipularam exames periódicos, indicados aos mamíferos machos a partir de certa idade, para prevenir o, como eles denominam, câncer de próstata, mortal por definição.

Assim como os poetas amam a metáfora, os políticos amam a retórica, os profetas amam a parábola, os psicopatas amam a sedução e os racistas amam a porrada, eles amam o eufemismo.
Eufemisticamente definiram o ato de enfiar o dedo no cu do mamífero macho como “exame do reto”, um equívoco grosseiro deles, sabendo-se que o ânus, por definição e natureza, é sinuoso e além, apesar e por conseguinte das preferências ideológicas individuais e de cada um, está mais para “exo” do que para “intra”.
Dá-se que o mamífero macho – eu, por exemplo – ao atingir a idade preconizada, obriga-se ao procedimento eufemístico anual, qual seja? Levar um dedo no rabo para ver se a glândula secrecional chamada próstata está no tamanho normal, aumentou de tamanho, se ali aparece uma hiperplasia maligna, sabendo-se que hiperplasia significa, singelamente, hiperplasia.
E lá se vai o mamífero macho – eu, por exemplo – depois de conseguir hora com ele, resignadamente ao encontro do seu destino, cruel para uns, feliz para outros, indiferente para aqueloutros, os que não sentem nada quando entra e quando sai.
Entretanto, por ser da natureza deles, por atender às necessidades psico-psico deles e até mesmo por causa do modelo formativo dos respectivos dedos perfunctórios, uns nos colocam de quatro, outro nos fazem deitar de barriga para cima e pernas abertas, outros nos mandam apoiar os braços e inclinar tudo para traz e os, em minha opinião os piores, nos fazem deitar de barriga para baixo e de pernas fechadas.
Pelados.
O mamífero macho – eu, por exemplo – submetido à posição determinada, observa com o canto dos olhos os movimentos dele: enfiar uma luva de borracha, vazelinar o dedo indicador e apontando para alvo, vir em sua direção com a naturalidade de quem, por força do hábito, já não distingue um rabo de outro.
Pela mente do mamífero macho do momento passam idéias confortadoras como: não vai doer, vai ser rápido, vai ser bom (para uns), não vou gostar (para outros).
Enquanto ele fala banalidades o mamífero macho sente a penetração deslizante, um calor inusitado, percebe os movimentos circulares, ouve os sons que ele produz ahan, humm, bom e... terminou, que é quando o mamífero macho descobre como é difícil, o quanto é complicada a relação dele com suas vias excrementais.
A eternidade em trinta segundos e não se fala mais nisso.
Minutos depois, sentado à frente dele, devidamente vestido, escuta o diagnóstico com lêsmica dignidade, como se nada houvesse acontecido de anormal, como se seu “reto” não tivesse sido invadido, como se não tivesse acabado de levar um dedo de homem no cu, como se, em nome da saúde, ser enrabado fosse um imperativo lógico.

Não sou ninguém para afirmar, mas acredito que os mamíferos machos homossexuais também não gostam da experiência porque ela é nada romântica, muito menos evocativa.
É um ponto fundamental que distingue os gêneros, pois os mamíferos fêmeos não estão sujeitos à tal manipulação ou, melhor dizendo, dedo-introdução, salvo quando é por prazer.
E quando é por prazer os mamíferos se igualam, machos e fêmeos. Nesse caso é tudo de bom.
Certa vez perguntei a um deles, já na idade propícia, como se sentia no momento do eufemismo.
“Eles”, para quem ainda não entendeu, sãos os médicos em geral e os urologistas e similares em particular.
A resposta dele me confortou: - Horrível.

Gosto é gosto



Canso de afirmar que mulher, futebol, religião, política, marca de vinho, cor de automóvel, taras individuais, ópera, corte de cabelo, samba-canção e chinelo de dedo não se discutem. Canso de afirmar que a única coisa sobre a qual vale a pena discutir é o Gosto. Quando se discute sobre Gosto chega-se a algum lugar, vai-se a Roma, conclui-se e até mesmo briga-se a socos e pontapés.

Gosto é bom de discutir pela universalidade do tema, pela diversidade da coisa, como diria o outro, pela onipresente parceria disposta à abordagem do tema, com veemência, candura, ira e sex-appeal. Discutir sobre mulher não tem graça pois as mulheres são indiscutíveis, talvez sobre o tamanho do pé, mais gordinha ou mais magrinha, sapecas ou comportadas, apenas frivolidades, nada essencial e relevante. Mulher é e ponto final. E não discuta! Religião cada um tem a sua, até os que, como eu, são ateus e fazem do ateísmo uma religião e pronto. Política é lá tema para discussão? Não conheço uma única conversa sobre política que não termine com a mesma conclusão que não vou escrever aqui porque de nada adiante, nenhum presta mesmo... Vá lá que seja, tem uns que, vá lá que seja.

Quer discutir sobre marca de vinho? Pode discutir mas tem que usar os termos corretos: bouquê, densidade honesta, safra, tipo de uva, ano, alacricidade...Cor de automóvel? Vai discutir como? O assunto se esgota na segunda palavra. Etc, etc. Deixei o futebol por último de propósito. Não que eu queira discutir sobre futebol, sobretudo aqui no Sul onde, no dia do meu aniversário, operou-se o mais glorioso massacre que se poderia imaginar, sobre a arrogância, a prepotência e a falsa liderança. Foi coisa de não esquecer, de guardar na memória e carregar no lombo por décadas, tamanha lambada em 45 minutos não se tinha notícia. A alegada máquina que esmagaria o dono da casa, foi-se ver, era de papelão molhado, cada uma de suas peças demonstrando pavor diante da soberba ação do adversário, praticada com movimentos harmônicos, incisivos, cortantes e perfurantes fazendo da máquina de papelão molhado um amontoado aturdido reposto devidamente no seu lugar secundário, isto é, numa divisão inferior de onde jamais deveria ousar sair. É o que acontece com os pequenos diante dos grandes: mostram os dentes e as unhas, arreganham e fazem careta, berram, estrebucham e, quando voltam a si, estão de quatro, chorando as mágoas e lambendo as patas.Não, eu insisto, não se discute futebol. O futebol, quando é, é indiscutível. Quando não é, segundo a teoria geral das aparências, sucumbe aos poucos, como a mulher amada que diz não, não... nããão... sim, sim, sim! E entrega-se ao valor mais alto qual criança que adora o papai.

Dizem que na vida, quanto maior a pretensão, maior o tombo. E quando ele acontece é assim, monumental, escorchante, arrasador, a soberba maquinação transformada em pó, a arrogantemente alardeada imortalidade deparando-se com a própria finitude pois não há barro que resista a quatro estocadas fulminantes, desferidas pela verdadeira grandeza. Discutir futebol? Nem em sonho. Nem que a vaca tussa, atole-se no brejo e rumine. Nem que chovam canivetes, paquidermes ou ácido nítrico – se é que isso existe.

Não, não, meu caro quadrifactum, não discuta futebol, não faça isso, limite-se a admirar, a sofrer e a perguntar-se qual a razão de seu infortúnio, em que desavisado momento de sua vida você fez tão infeliz escolha. E sofra, que é o que lhe resta. Porém, não sou intransigente e faço concessões. Estou pronto a discutir com você, a qualquer hora e em qualquer circunstância, aquilo que realmente vale a pena ser discutido: Gosto